segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

O Caçador de raízes - Pablo Neruda


Canto a grama que nasce comigo
neste instante livre, os fermentos
do queijo, do vinagre, a secreta
floração do primeiro sêmen, canto
o canto do leite que agora cai de
de brancura em brancura aos mamilos,
canto os crescimentos do estábulo,
o fresco esterco das grandes vacas
de cujo aroma voam multidões
de asas azuis, falo
sem transição do que agora acontece
com a abelha e o seu mel, com o líquen
e as suas germinações silenciosas:
como um tambor eterno
soam as sucessões, o transcurso
de ser a ser, e nasço, nasço
com o que está nascendo, estou unido
ao crescimento, ao surdo contorno
de tudo que me rodeia, pululando,
propagando em densas umidades,
em estames, em tigres, em geléias.

Eu pertenço à fecundidade
e crescerei enquanto crescerem as vidas:
Sou jovem com a juventude da água,
sou lento com a lentidão do tempo,
sou puro com a pureza do ar,
escuro com o vinho da noite
e só estarei imóvel quando seja
tão mineral que não veja nem escute,
nem participe do que nasce e cresce.

Quando escolhi a selva
para aprender a ser,
folha por folha,
estendi minhas lições
e aprendi a ser raíz, barro profundo,
terra calada, noite cristalina,
e pouco a pouco mais, toda a selva.


sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Sonâmbula Fonte

Floração
foi o verde que viu
em vermelho se abriu
Sorrindo sem sequer supor

Sabia que o tempo
Desfazia o novelo
Deflorava uns sonhos
Se dispunha em desvelo

Velava, volvia, chamava
- emanava em onda
ele.tro.magne.ticista da vida..
::Era uma coisa que não se media.
Mas sentia seu apelo denso
- até pelo pelo, por vezes, se via

Meio lobo
meio mato
meio anseio.
Antepassado futuro
que se rascunhava e nascia.
Era bem ali: no meio.
No tempo/espaço
que lhe cabia o momento

- No peito, ao reverso, crescia -

Pois o peito, pela frente, é seio
E, por dentro, puro pólen.
E relampeio.



Img de Kathe Fraga   



terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Regalos Harmônicos

Ela sabia que estrada era longa...
Repleta de terra, pedra; musgo e areia. Sabia dos vales, conhecia umas grutas. Que o tempo passava e feriam as agulhas. Das ilhas, que havia, sabia de algumas. E nem sempre as sementes, em brotância latentes, configuravam-se em mudas. Dos atalhos que ouvira, podia: abrirem-se portas infindas ou infiéis labirintos. Desconhecendo muitas, de tantas razões obscuras, seguia serena no passo que lhe concedia o destino.

Por vezes, os pássaros de seu caminho lhe inspiravam a pisar mais leve; mais profundo, contudo - lhe contavam os dias, lhe encantavam nascentes. Despertavam a aurora de seus dias, que encontravam pelo chão; dormentes.


 Transbordavam em cântico as manhãs de sua trilha. - Transbordavam porque não poderiam completá-las ( só ela mesma possuía o antídoto...)

Sapiente disso, recebia os regalos harmônicos apenas quando já repleta de si. Assim, os cantos e todos os seus encantos lhe rompiam as margens, despontando em vazante. (naturalmente, uma vez expandido seu horizonte, ela própria haveria de se preencher novamente... Depois.).

  Era como o vento que soprava e fazia dançar as árvores. Elas, por si  - sós - já existiam. Já eram, já estavam. Com suas ramas, suas sombras e suas luzes cor de terra transmutada. Mas só gargalhavam em dança quando na presença daqueles ares.


  Eles, por sua vez - invisíveis por natureza - só podiam existir às retinas alheias quando entregues ao deleite ritmado daquelas folhas. No mais, passariam ocultos; imunes e intocáveis. Passariam batidos, sem existir aos homens; sem distrair as árvores e carregar seus sêmens; sem encantar a menina que sorria com aquelas transparentes traquinagens.


  Mas que graça haveria em ser por si só, num mundo como este?  

Sem tocar os quintais, sem abarcar os casais; sem entregar-se em comunhão aos outros, dedicando-lhes as nuvens descobertas nas andanças por outras terras...

.................?


Em contentamento, ela abriu as janelas da sala. Agradecendo o vento, que trazia poeria e fazia tocar os sinos. Cada grão de terra, de longe oriundo e num sopro depositado, lhe dizia que os caminhos transmutam e se cruzam. 

:: Aprendeu a caminhar dançando
     ~~. 



Img - Titi Freak