O
que fazer quando a energia elétrica não está em casa?
Procurar
uma vela, com o tato. Acendê-la num abrigo, seguro e alto. Refletir
sobre as possibilidades que tangem sua luz. Logo
antes, ainda no escuro, perceber
a intensidade da lua - que está cheia, e
livre da iluminação civil para lhe ofuscar o brilho. Sob
o silêncio dos aparelhos de som e TV, ouvir
os grilos; que até então, nem existiam pelo quintal. Ver
um vaga-lume lumiar! - Nem soubera que os tais bixanos perambulavam
sua fonte pelo passeio público..
Sob
a luz da - então - meia vela, rascunhar um verso. Num riso só, notar como a sombra desenha no papel, a
caneta sobre ele empunhada. Sentir-se
em paz com o escuro da noite -
se fosse sua, a única casa sob a penumbra, teria
logo ligado para a empresa provedora de energia; mas
toda a vizinhança comungava da mesma situação: estava amparada, então.
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A
Luz voltou! Que
pena... Mal
tinha findado o poema!
De
volta o som dos motores domésticos, a falação dos vizinhos -
eles pareciam estar num tom mais brando, quando no escuro sozinhos...
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Pensara: que
de todas as previsões já descritas pelo homem, o
melhor apocalipse seria o fim da energia elétrica. Tentou
imaginar como se sucederia tal fato, mas
isso era coisa grande demais para um fulano comum - mesmo
um beato: era
coisa pra Deus. Não o diabo.
Sabia
apenas que não haveria agito noturno. Certamente
o PIB do mundo seria outro -
as pessoas só trabalhariam ao Sol:: férias
durante o outono. Seria
reduzida a velocidade da informação; e
o relógio contaria n'outro passo: viveríamos
o tempo solto e brando, das
pontuais estações do ano.
Não
haveria TV, geladeira, quanto menos micro-ondas. Não
haveria lâmpada. Só lamparina e prosa - leve e longa. Teríamos
apenas o céu, a lua e o som dos tambores. Faríamos
fogo, se preciso fosse.
Beberíamos
água, direto da fonte. Teríamos o dia pra tudo; a
noite, pro aconchego e descanso. Seria
mais fácil apaziguar no crepúsculo. Seria mais doce comungar o fruto. Teria olho no olho, não dente por dente. Seria
mais leve viver o infinito presente.